segunda-feira, 31 de julho de 2017

Moonlight



O que faz que eu seja eu mesmo? Quem sou eu? Essas foram a pergunta que me fiz ao fim de Moonlight, o filme ganhador do Oscar de melhor filme de 2017. Um Oscar que ficou marcado não apenas pela gafe histórica ocorrida ao anunciarem o prêmio de melhor filme, mas também por premiar um filme que conta a história de um jovem negro, pobre e gay. Mas Moonlight é muito mais que um filme de um jovem negro, pobre e gay, é um filme sobre aceitação, descobertas e escolhas.

Baseado em uma peça inédita e semi-autobiográfica, In Moonlight Black Boys Look Blue escrita por Tarell Alvin McCraney, Moonlight conta a história de Chiron (Alex Hibbert, Ashton Sanders e Trevantes Rhodes) um jovem negro, filho de mãe solteira e viciada em drogas (Naoomi Harris) em três momentos: infância, adolescência e adulto. Dividido em três capítulos, cada um retratando uma fase de sua vida, o filme mostra a luta de Chiron para se encontrar, se aceitar, lidar com a falta de carinho, com suas dúvidas, lidar com o bullying, se tornar um homem.


Com uma fotografia maravilhosa que ajuda nos situar e a contar a história mostrando a situação psicológica de Chiron. Moonlight é um filme quase sem diálogo. Onde um olhar, um toque, uma imagem, vale muito mais que muitas palavras. E o roteiro ajuda muito nisso, McCarney e Barry Jenkins, que também escreveu o roteiro, incluíram fatos de sua história o que trás um ar pessoal ao filme, dá a ele uma sensibilidade, uma genuinidade, uma autenticidade difícil de se ver hoje em dia, que só é possível sentir porque os roteiristas passaram por aquilo que estamos vendo em cena. Outro ponto a se destacar é que embora o filme seja o primeiro filme a ter elenco 100% negro e a tratar de uma temática LGBT a ganhar um Oscar, o filme nunca se torna panfletário, nunca levanta uma bandeira. Simplesmente mostra as lutas de um jovem para se aceitar, para lidar com os desafios de crescer e se tornar um homem, e que por acaso ele é negro e gay. O roteiro tem a sensibilidade de trazer esses assuntos de forma sensível, e natural. Diferente de outros filmes que tratam dos mesmo assuntos.

E essa sensibilidade é claramente vista nas atuações do elenco. Alex Hibbert, Ashton Sanders e Trevantes Rhodes que interpretam Chiron criança, adolescente e adulto respectivamente, conseguem dar ao personagem a sensibilidade necessária para que você consiga entender o que eles estão sentido. Hibbert nos mostra uma criança confusa, assustada, sem rumo, sem carinho, sem amor, seu olhar triste, longe mostra de forma simples o quanto aquele garoto sofre. Sanders já faz um jovem que está confuso sobre quem ele é, com dificuldades de se aceitar, sofrendo bullying todos os dias, um jovem perdido, mas que não se deixa abater, se cai ele levanta, como lhe foi ensinado. E Rhodes nos entrega um Chiron, agora chamado Black, que quer se impor, nem que para isso tenha de se vestir, e usar acessórios que não revelem quem ele realmente é. Que mesmo tentando se passar por um homem forte, durão, seu olhar ainda é de alguém triste, perdido e confuso. Ele não sabe quem ele é.

Mas sem dúvida nenhuma os grandes nomes do filme são Mahershala Ali e Naomi Harris. Mahershala é Juan um traficante, mas não um traficante esteriotipado tantas vezes visto nos filmes e série, ele é alguém amável, sensível, que vê em Chiron um filho que nunca teve. A atuação de Mahershala é contida, mas emocional. Destaque para a cena em que ele revela algo para Chiron na mesa do café, apenas com um olhar conseguimos saber o que se passa na sua mente, o que ele está sentindo. O maior problema é o tempo de tela de Mahershala Ali, ele fica muito pouco tempo, e atuação dele é tão marcante, tão hipnotizante que a vontade é que ele ficasse o tempo todo e tela. Já Naomi Harris simplesmente se despe de toda a sua vaidade para fazer uma mulher que se prostitui para pagar seu vício. Completamente o oposto do personagem de Mahershala, Naomi faz uma mulher emocional, desequilibrada, uma verdadeira bomba relógio.Suas cenas são desesperadoras, revoltantes e tristes. O estrago que as drogas fazem na vida dela fica evidente, novamente no olhar, no toque, mas aqui principalmente na sua forma de falar.


Moonlight  é um verdadeiro estudo de personagem. Que mostra como somos formados e o quão difícil é se encontrar e crescer, principalmente quando não temos estabilidade emocional em casa. Isso fica claro em Chiron, ao início do filme ele é inseguro e se sente perdido, mas encontra em Juan um modelo um exemplo de caráter, de pai e de homem. Essa influência fica clara no segundo capítulo do filme quando vemos que embora Chiron ainda seja inseguro, algo comum para um adolescente, ainda mais em sua situação, agora ele tem orgulho próprio, não abaixa a cabeça, ele cai mas se levanta, mesmo que isso possa causar dor, ele se tornou alguém que sabe se defender, assim como Juan, mas que ainda está suscetível a influência ainda, tem medo. O que fica claro no terceiro capitulo do filme quando vemos um novo Chiron, diferente de tudo que havíamos visto até aquele momento, muito devido as influências do meio onde viveu. Mas o mais triste é ver que ele não é aquilo que se tornou, suas roupas, seu carro, seus acessórios, tudo é apenas um disfarce para o homem inseguro e confuso, que  ainda não sabe quem ele é. Que tem medo, mesmo com a posição que alcançou.

Com metáforas visuais, como o mar que simboliza a felicidade de Chiron, cores que nos ajudam a entender qual a verdadeira situação do que estamos vendo. Uma montagem precisa que se utiliza de muitos planos fechados, com poucos planos abertos, tornando o filme mais intimista, mais pessoal, e cenas com a câmera em 360º que faz com que nos sintamos dentro da projeção do filme, Barry Jenkins faz um trabalho sensacional, conseguindo tirar o melhor de todos envolvidos. Com apenas imagens ele nos conta uma história real, que poderia ser de qualquer um de nós, de nosso vizinho, nosso parente, nosso filho. E o que faz o trabalho de Jenkins ser tão genial, é que enquanto muitos cineastas tem a necessidade de explicar cada detalhe da história em diálogos expositivos, Jenkins nos conta uma história com imagens, olhares, toques, cores, que nos dizem muito mais do que mil palavras, se fossem tiradas todas as falas do filme, ele ainda faria todo sentido.

Moonlight é um filme importante, que trata de assuntos importantes, de assuntos delicados, assuntos polêmicos, sem nunca ser panfletário. Embora talvez se eu fosse negro, ou gay, ou tivesse pais ausentes e drogados, ou tudo isso, eu saberia melhor o que Chiron sente. Mas, mesmo assim consegui sentir seu sofrimento, suas dúvidas, seus medos, sua confusão, sua frustração. E ao final do filme me peguei pensando: "Quem sou eu? O que faz que eu seja eu mesmo?" Essa é a função do cinema, além de te fazer divertir, é te fazer refletir e se tornar uma pessoa melhor. E depois de Moonlight posso dizer, me tornei uma pessoa melhor. Mas ainda a pergunta continua: Quem sou eu? Quem é Você? Quem somos nós?




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